Carta aberta de um
torturado ao presidente Geisel
torturado ao presidente Geisel
O torturador tinha sempre na cabeça um capacete
do exército nazista, com a suástica. Ao entrar na sala,
estendia a mão e saudava: “Heil, Hitler”.
Por Amadeu de Almeida Rocha • Versus 23 • julho de 1978
Na edição número 20 de Versus, de abril-maio de 1978, quando já sustentávamos abertamente o debate sobre a reorganização partidária pós ditadura e os rumos futuros do socialismo brasileiro, Paulo Santilli e eu recebemos uma carta de Amadeu de Almeida Rocha, preso, até então, desde 5 de abril de 1973, na Divisão de Segurança Especial (DESIPE), no temido endereço da Rua Frei Caneca, 457, no Rio de Janeiro. Condenado a 12 anos de prisão por suas atividades políticas, o ex-dirigente do Partido Socialista Brasileiro (PSB) leu Versus em sua cela e passou a apoiar a iniciativa que visava à criação de um novo e amplo partido político dos trabalhadores brasileiros.
A correspondência que mantive com Amadeu de Almeida Rocha culminou com a publicação de um corajoso texto, escrito por ele, intitulado “Carta aberta de um torturado ao presidente Geisel”, que publicamos na íntegra, na edição 23 de Versus, de julho-agosto. Os fatos relatados pelo missivista, detido há anos sem um julgamento justo, sensibilizaram o país e as entidades de defesa dos direitos humanos no exterior. Mais tarde, sua divulgação nos trouxe a maior honraria da imprensa brasileira: o prêmio Vladimir Herzog dos Direitos Humanos, outorgado à redação de Versus pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. (Omar L. de Barros Filho)
Excelentíssimo Senhor
General de Exército Ernesto Geisel
Presidente da República Federativa do Brasil
Senhor Presidente:
No governo do então marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, a Nação tomou conhecimento de que, em diversas regiões do país, autoridades policiais e militares estavam torturando presos políticos. Na época, a imprensa deu grande destaque à decisão do presidente Castelo Branco em enviar, Vossa Excelência, Chefe da Casa Militar, a essas regiões a fim de, “in loco”, investigar se eram procedentes ou não aquelas denúncias. Até hoje, lamentavelmente, Senhor Presidente, a Nação desconhece o resultado dessas investigações: se as informações recolhidas por Vossa Excelência comprovaram ou não a veracidade dos fatos denunciados.
Infelizmente, Senhor Presidente, o recurso à tortura, como método de interrogatório, tem sido uma prática rotineira nos últimos tempos no Brasil. Meses atrás, por exemplo, Vossa Excelência foi obrigada a agir com energia e autoridade no Estado de São Paulo, a fim de coibir barbáries atentatórias à dignidade da pessoa humana.
Senhor Presidente Geisel:
Em face da impossibilidade da Justiça investigar e julgar crimes contra os direitos da pessoa humana e, considerando que, por razões desconhecidas, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, subordinado ao Ministério da Justiça, é importante para tomar qualquer providência a respeito, e tendo sido nós barbaramente torturados, e estando presos há quase quatro anos sem julgamento, vimos, respeitosamente, encaminhar a Vossa Excelência o documento anexo, redigido e assinado por um dos signatários desta, sobre as violências físicas, psicológicas e morais que todos nós fomos submetidos no DOI/1º Exército, localizado no interior do Batalhão de Polícia do Exército, à Rua Barão de Mesquita, Tijuca, Rio de Janeiro.
Divisão de Segurança Especial, Anexo ao Presídio Milton Dias Moreira, DESIPE, Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 1976.
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